sábado, 26 de janeiro de 2013

As Polícias Militares do Brasil diante do espelho

Demorou, mas chegaram os ventos das mudanças entre nós. São patentes como as instituições policiais militares foram e têm sido utilizadas pelas várias formas de poder ao longo do tempo; desde os donatários do Brasil colônia, quando esta força ainda não se fazia perfeitamente estruturada, e, logo em seguida, pelo coronelismo e outrem. A polícia militar foi criada justa a partir de uma confusão entre o público e o privado; por último foi cooptada pelas forças armadas (diga-se golpe militar de 1964). As agências de segurança nesse período foram permeadas pela persistente “doutrina de segurança nacional”, que prega o combate aos inimigos fora dos muros dos quartéis, afastando as instituições de polícias militares ainda mais do povo.

Com a redemocratização do país, para as policias militares coube o papel de administração da pobreza. Mesmo com o advento da Constituição Cidadã de 1988, era necessário conter as massas de excluídos que cobravam participação nos bens de consumo do mundo capitalista; cabendo às polícias militares quase sempre o papel de preservarem e reforçarem os privilégios das elites; daí, torna-se fácil percebermos que “embaixo de toda coroa existe uma cabeça”. Ao mesmo tempo em que a força policial militar é utilizada para reprimir os movimentos sociais, os seus integrantes também eram reprimidos dentro do intransponível muro dos quartéis. Acreditavam-se, nos idos dos tempos, não haver espaço de manobra para quem havia escolhido essa carreira; o seu ainda arcaico regulamento/regramento “aponta a todo tempo para o militar como se fosse o dedo de Deus”; na caserna “ordem dada é ordem cumprida”; o enquadramento do policial militar não lhe deixa lutar pelos seus direitos, convertendo-o em um não-cidadão.

Avaliamos que o militarismo reproduzido por muito tempo nas escolas de formação policial militar era o principal responsável por essa adequação de postura opressora; o baixo grau de escolaridade dos seus outrora integrantes não lhes permitia enxergar por trás da cortina de fumaça que envolve o nosso tecido social; pouco crédito era dado a essa profissão, até que os espaços públicos começaram a ser segregados pelo fenômeno da violência. Viram-se, portanto, comunidades inteiras reféns da criminalidade; o que alçou a polícia militar aos vários olhares da sociedade, inclusive ao seu próprio espelho. Sendo por muitas vezes a primeira instituição a chegar aos grotões do nosso país, em dado momento em que não se tinha quase nenhum serviço básico, lá estava à face fardada do Estado, para administrar todo tipo de problema de ordem social, e não só os de segurança pública. De tal modo, absorvendo quase sempre a hostilidade dos despossuídos, e sendo humilhada quando tentava aplicar a lei à classe burguesa.

Mas as cobranças sociais, aliadas às novas levas de policiais militares com nível de instrução elevado fizeram soprar os ventos das mudanças dentro dos muros dos quartéis. Vários projetos pedagógicos foram simultaneamente aplicados, no sentido de reconstruir uma nova identidade para os profissionais da segurança pública, agora se pautando no respeito aos direitos humanos e elegendo as polícias a serem guardiãs desse mesmo direito; assim trazendo o policial a uma nova reflexão acerca dos seus deveres e também dos seus direitos. A possibilidade de associação prevista na Constituição Federal de 1988 nos possibilitou reivindicar direitos básicos inerentes a qualquer cidadão; as poucas armas que o Estado democrático de direito nos deu estão sendo utilizadas com pertinência, o que muito certamente contraria os interesses de quem sempre usou as instituições policiais militares ao seu bel prazer. Nessa dimensão evolutiva, os PM’s por certo não enxergam mais no espelho o reflexo dos seus superiores hierárquicos, como dita o jargão nos ambientes dos quartéis que o comandante é o espelho da tropa. Ora o que o policial militar vê refletido no espelho é a sua própria imagem enquanto sujeito da sua própria ação. O farol está apontando para a direção das mudanças; apesar de não podermos aproximar demais o fogo do estopim, pois não sabemos o quanto de pólvora existe no barril. É verdadeiro que as instituições demandam tempo para suas mudanças necessárias, todavia não é ilegítimo que nessa perspectiva a PM/SE nunca mais será a mesma. A história irá já se encarregar de analisar as digitais dos que fomentaram essas mudanças.


Por Fábio Lopes: É policial militar, bacharel em gestão pública, especialista em violência, criminalidade e políticas públicas e acadêmicas de direito.


Nenhum comentário:

Postar um comentário